quinta-feira, 3 de março de 2011

COM TODOS OS PECADOS




Afasta de mim essa imagem vertical de suporte, pois nada sou além de desvios ziguezagueantes, onde a travessia é sempre um abismo de sensações pra lá da morte.
Afasta de mim essa imagem marítima de espuma, origem de beleza, pois nada sou além de fera espantada, onde o tempo deforma garras e articulações pra cá da feiúra.
Afasta de mim essa imagem de Hipólita audaz, pois nada sou além de uma roleta russa sem festim, onde temo minhas próprias inclinações.
Afasta de mim essa imagem doméstica e desinfetada, pois nada sou além de clandestina suja, onde em porões ordinários de navios escrevo poemas com sal e sangue.
Dos meus braços corte os abraços garantidos, que mais a ninguém darei conforto de agasalho nos invernos possíveis.
Das minhas pernas corte os passos cúmplices, que mais a ninguém darei caminhos de girassóis nos intervalos dos destinos.
Da minha boca corte o silêncio repleto de ecos, que mais a ninguém darei o que calo em confissões inequívocas.
Do meu ventre corte a febre líquida, que mais a ninguém darei a larva quente e transbordante do vulcão primitivo e infernal.
Dá-me tua mão, ainda que eu já me tenha abandonado e perdida ande a experimentar o que nunca fui antes, com liberdade de ser acaso.
Assim reconhecida em meu inferno de pecados saberei que um dia fui dissecadamente amada. 

FONTE: FACES DO POETA
irabuscacio.blogspot.com

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