segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

LÂMINA DA IGNORÂNCIA - POR IRA BUSCACIO





Na tela da televisão, em cores vivas, a imagem aterrorizante de mais uma crucificação. A exposição vergonhosa de nossa cegueira seletiva. Uma demonstração nua e crua da doença humana. A visão absurda do assassinato de mais uma infância.

Vejo atônita a menina sendo mutilada no corpo e na alma. Tendo seu clitóris decepado, como se fosse um cancro. Uma intervenção cirúrgica primitiva, sem anestésico, sem assepsia, sem escrúpulos e remorsos.
Diante da mais sórdida ignorância, meu olhos observam o calvário de um pequeno ser inocente, cujo maior pecado foi, o de nascer na condição de fêmea. Intuitivamente sinto a dor de nossa identidade.

É custoso acreditar, mas ainda existem sociedades capazes de crimes bárbaros em nome de um misticismo mentiroso e repugnante, quando na verdade, o único objetivo é a força econômica. A dominação da espécie humana, sob o jugo religioso, paternalista e machista camufla a verdadeira intenção: O poder!
No caso em questão, essa sociedade machista acredita que, ao extirpar o clitóris da mulher ela se torna honrada, frígida e consequentemente, fiel. Assim, a mantém somente, como procriadora e serviçal. Só que, além de condená-la a uma vida sem prazer sexual, também, muitas vezes, a condena a esterilidade e a morte.

É triste conceber uma menina segregada da vida pela estupidez do homem aliada a subserviência da mulher.
É inaceitável, que em pleno século XXI, mulheres continuem carregando o triste estigma da inquisição, sendo cruelmente subjugadas, julgadas e condenadas por sua sexualidade. Sem falar em tantas outras violências assistidas diariamente, nas ruas, nos meios de comunicação, nas casas. Mulheres vítimas dos seus amores, meninas vendidas e prostituídas, crianças violentadas na sua inocência.

Choro, ao ver aquela menina, ainda com traços de anjo, frágil, debatendo-se de pavor diante da lâmina fatal, sem compreender os motivos de tal barbárie. Desconhecendo, ainda mais, as conseqüências do gesto que quase sempre é executado por mãos de mães ou familiares.
Sinto-me impotente e parte de uma espécie tosca, covarde e permissível. Penso que, mais do que um órgão é mutilado o mistério da vida, o direito a dignidade, o legado da força feminina e o mais imprescindível de todos os detalhes: a mutilação da legitimidade do amor.

Temos que conter essas realidades aviltantes que tem como foco, a miséria e a ignorância. Somos indiretamente responsáveis por cada ato de degradação, de violência, de humilhação, quando nos acomodamos em nossas vidinhas burguesas, quando não denunciamos, quando não nos mobilizamos, quando somos omissos.

Sentada no sofá frente ao mundo globalizado e em tela plana sinto vergonha de mim, dessa natureza humana egoísta. Vergonha de um mundo, onde há mães algozes de seus rebentos. 


FONTE: FACES DO POETA
http://irabuscacio.blogspot.com/

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