quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

AS ORELHAS SEM VOZ

Corto tuas orelhas pra que não escutes tua boca, este céu de meteoros, que explode demência sobre nossa casa.
Talvez as guarde em caixa aveludada, como se fora um par de alianças antes das núpcias, até que o silêncio cubra os pensamentos.
Quem sabe, em noites de gentilíssimos invernos mansos, eu as exponha ao sereno e sussurre, dentro da cavidade, algumas poesias exiladas em diário.
E teus olhos envergonhados derramarão chuva miúda, antes de cerrarem as pálpebras, e se encostarão ao meu ombro sabendo por que chove do lado de fora.
Corto tuas orelhas, após caminharmos em nossa promiscuidade, como sombras sem nomes, até atravessarmos o rio, noutra margem, águas claras.
E sem te ouvir, tua boca temerá meu rosto cheio de letras, o que fará tua língua abandonar os entulhos e devolver-me em pétalas a linguagem.
Ainda em desvelos deceparei tuas orelhas com cacos de vidro, do espelho estilhaçado que refletiu nosso avesso e minha dor jamais será ouvida.
Assim, quando o ciclo da amargura se fechar, o sangue será vinho, a cartilagem o pão e nós voltaremos ao branco, da pureza original, em comunhão. 
FONTE: FACES DO POETA

0 comentários:

Postar um comentário